quinta-feira, 19 de maio de 2011

Eternal Sunshine of the Spotless Mind


Há algum tempo atrás eu o havia avistado no bar. Estava sentado silencioso numa cadeira mais ao fundo. Época de faculdade, o bar estava lotado. Ele ficou me olhando.
Nessa época eu havia acabado de terminar um relacionamento. Estava bem, mas ainda sentia falta dele, tanto que ainda usava a medalha do Ancanjo Gabriel que ele havia me dado de presente, mas o olhar daquele homem me intrigou.
Peguei a cerveja no balcão e fui sair do bar pra encontrar com os meus amigos lá fora. Ele então se levantou e veio em minha direção.
_ Tome menina. Quem sabe um dia, você possa precisar. Um passado mal vivido pode acarretar grandes decepções futuras. Se quiser algum dia esquecê-lo, basta me procurar.
Ele então me entregou um cartão, e saiu. Fiquei ali parada olhando intrigada pro cartão, era feito de um papel grosso e negro, no meio do papel em letras caprichadas estava escrito em prata:
“"Quem controla o passado, controla o futuro.”
Dr. Orwell
E um endereço rabiscado no verso.
Achei uma situação estranha, mas guardei o cartão na carteira e fui pra fora do bar.
Algumas primaveras se passaram, muita coisa aconteceu na minha vida, coisas boas e ruins, algumas deixaram cicatrizes que o tempo fez questão de apagar e outras nem um arranhão deixaram. Lembranças tenras da minha juventude com os amigos...
Mas aí aconteceu o pior, uma brincadeira de mal gosto do destino me atingiu, de uma maneira bruta e violenta, e assim como um passarinho atingido pela pedra de um menino inconseqüente com um estilingue, eu caí ferida de volta ao chão. As asas já não batiam, a dor era latejante no meu peito, tudo perdeu a cor, era tudo vermelho sangue de raiva e negro de ódio. Eu virara uma pessoa desconhecida pra mim mesma...
Se me perguntarem o que aconteceu não me recordo agora....é tudo branco quando tento me lembrar do que ocorreu para me deixar assim em tão deplorável estado. Mas eu perdi o controle sobre meus atos, aquilo já não era mais eu mesma.
Só sei que por um estralo em minha mente me veio a tona aqueles olhos no bar, o senhor que me olhava e o seu cartão estranho falando sobre o passado....passado...eu precisava destruir o meu.
Mas aonde eu havia colocado...
De repente olhei pra cima do guarda roupa e lá havia uma caixa, não me lembro bem o que havia dentro, apenas me recordo que era rosa. O cartão estava lá.
Olhei o endereço, era perto da rodoviária aqui da minha cidade.
Não pensei duas vezes, e sai porta a fora pelo frio.
Já era tarde da noite quando lá cheguei. Olhei no terminal rodoviário, estava marcando 13 graus, num horário de 10:03...eu ri...ironia do destino...
Quando cheguei no endereço a casa me deu calafrios. Era toda cercada de plantas, escura e sombria...mas a dor em meu peito de decepção era tão grande que eu precisava de ajuda. Resolvi arriscar.
Apertei a campainha e nada....por um minuto pensei que ele já havia se mudado, tantos anos haviam se passado. Resolvi insistir e no momento que ia apertar novamente, ouvi o barulho de uma porta se abrindo, e la dentro um senhor com os mesmos olhos de alguns anos atrás me fitou desconfiado.
_ Em que posso ajuda-la menina?
_ Eu vim em busca de ajuda. Estou doente, e acho que o senhor é o único que pode me ajudar. Por favor..._ eu chorava novamente e minhas mãos tremiam.
Ele então veio em minha direção por um corredor escuro coberto por arvores. Olhou em meus olhos e me convidou a entrar.
Apesar do medo eu entrei. Aquilo que estava dentro de mim era como um câncer, um tumor maligno que estava me destruindo por dentro...se ele não fosse retirado rapidamente de mim eu iria morrer.
_ O que você precisa?
Eu me lembro da sala, lá dentro havia um cômodo escuro com um escrito LOVE ME em luzes rosa luminosas...não me lembro de muita coisa que aconteceu depois...acho que devo ter contado o momento do meu desespero...tudo que havia acontecido...e do sentimento ruim que estava dentro de mim me transformando...me lembro apenas dele dizendo que tudo ia passar e logo eu não me lembraria de nada daquilo que eu não quisesse. Lembro também de ter acessado a internet e apagado varias coisas em redes sociais, blog, tudo...mas, não me recordo do que eram...
Lembro dele me dizendo de uma experiência, uma cirurgia experimental que me faria esquecer tudo aquilo que não deveria ser lembrado, tudo aquilo que me fazia mal seria apagado da minha memória, como num filme onde se cortam as cenas, ele iria cortar o meu passado.
Lembro de ser levada a sala com o escrito rosa e ele me explicando que muitas pessoas o procuram pelo amor, pelo amor de um parente que se foi, pelo amor de uma vida que se apagou....muitos motivos para se esquecer um passado, mas todos eles giravam em torno do AMOR, aquela sala era como um tumulo onde o amor era morto. Ele sorriu ao dizer isso, e me perguntei quantas vezes ele não deveria ter matado o amor dentro dele....
A sala parecia uma sala de cirurgia comum como todas as outras, exceto por um aparelho bem no centro. Alguns fios foram colocados na minha cabeça...e depois...bem..e depois não me lembro....eu acordei....e conseguia respirar, a dor em meu peito havia passado. Aquela angustia e sofrimento havia acabado. Olhei pra sala e uma senhora simpática lia “O morro dos ventos uivantes” eu sorri lembrando de como amava aquele livro. Ela percebeu que eu acordará e veio ao meu encontro.
_ Você já está bem minha querida, pode ir pra casa agora.
_ Mas e o doutor? Quanto ficou minha cirurgia?
_ O doutor esta repousando, suas lembranças eram muito profundas e fortes, tivemos grande trabalho pra retira-las de você. Mas agora, seu passado não a perturbará mais. E quando ao valor, bem o doutor não cobra pra esse tipo de serviço, pra ele é sempre uma grande dádiva matar um amor que não merece ser lembrado no coração e na mente das pessoas.
Eu me levantei e fui guiada até a porta de entrada da casa. Agora eu conseguia ver tudo com melhor nitidez, havia quadros de paisagens lindas, e fotos, muitas fotos, do doutor e da senhora simpática....inclusive de casamento e de filhos.
_ Nós somos muito felizes. Temos filhos maravilhosos e nos amamos. Mas juramos um ao outro que ajudaríamos as pessoas que não tiveram a mesma sorte que nós, a esquecer de tudo aquilo que lhes fazem mal. Somos cientistas e sempre estamos por aí ajudando pessoas que assim como você, precisam esquecer de algum erro do passado. Você deu muita sorte, é nossa ultima semana aqui.
Eu sorri...sorte, muita sorte mesmo.
_Obrigada por tudo..e agradeça ao doutor por mim.
_Não tem que agradecer menina, só seja feliz, sempre.
_Eu vou ser.
Eu sai pela noite gelada.
Mas agora eu sentia prazer em caminhar por ela, o frio cortante me trazia alegria, eu podia ver a beleza das ruas desertas com a neblina baixando....meu coração estava em paz. Aquilo ,seja lá o que fosse, tinha sido retirado de dentro de mim, e eu poderia finalmente recomeçar a sonhar!

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