quinta-feira, 12 de maio de 2011

“Tome cuidado para que ao se desfazer dos demônios, você não se desfaça do que há de melhor em você” – NIETZSCHE


Legião tornou-se não mais que um nome só, no lugar onde Estou.
No lugar este, onde permaneço estando.
Você lembra?
da endemoninhada que fui.
…quando como que uma hecatombe de porcos berrava, mugia e se debatia de uma só vez, vez que se estendia, desdobrava;
e era tudo não perto, ali próximo ao mar, mas dentro de mim?…
Mas está diferente, sigo permanentemente aqui; percebo dentro de mim e noto, presente, a falta, densa que é difícil mover-me.
Aqui procuro, chamo, bato, tiro a poeira dos móveis,
lavo louças, passo cafés, acendo cigarros, leio livros,
ponho poesias pra tocar, penso breve bruxarias e paganismos,
olho para santos, escuto umbandices,
dou voltas em torno de meu próprio eixo muito perto do espelho,
olho fotografias antigas para certificar-me que eles não estiveram o tempo inteiro na cara que talvez não tenha mais e com uma freqüência muito mais constante do que a que eu ponho em todas essas coisas, eu não os encontro.
É como uma coisa que ficou que encontro essa coisa que não ficou,
como um vestígio, uma morte, como um pão talhado, um corpo (ou um copo) virado do avesso, aberto, de onde, nesse estado, a vida escapa. E essa vida – embora nem sempre tenha sido assim, pois éramos Legião, pois que éramos muitos – é uma só.
Só – permanece – essa espécie de vestígio de fogo que queimou.
Esse ter pensamentos que pensar e não os conseguir pensar.
Olhar as tardes e ver as tardes, nada mais que as tardes.
Passar pelos verdes e neles não poder distinguir mais que verdes.
Olhar um sorriso de criança na rua, olhar nas mãos e não ter um brilhante,
um caule de flor que enfiar-lhe nas mechas.
Foi – como uma esperança sem nome – se é que isso faz algum sentido – que um dia esteve ausente e em sua distância erguia-se imperiosa tão longe onde a consciência não podia estar e qualquer coisa aqui dentro ilogicamente se dez-dobrava como um sino, e éramos dez e éramos dez mil vozes falando ao mesmo tempo coisas sem o menor sentido, tentando amarrar e amarrando o ineamarrável, como essa palavra, assim: ineamarrável; conectando coisas desconexas.
E percebo, como era fluído meu caminhar entre eles.
Onde estão vocês, Adramelech!, Ahpuch!, Ahriman!
Parece distante aquele tempo, como a floresta para onde voava aquela solitária suicida Fênix das mitologias.
Distante como essa Fênix que todos devem supor que queimou demais, até a última cinza, o pó virando mais do que pó, virando coisa nenhuma, se é, claro, que coisa nenhuma possa mesmo ser mais que alguma coisa.
Besteira, isso é sofisma. Não mais que só sofisma...
Onde estão vocês, Adramelech!, Ahpuch!, Ahriman!
Legião!
Fernando Pessoa! Clarice Lispector! Caio Fernando Abreu!

Acaso consumiram-se em seu próprio fogo?

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