sexta-feira, 12 de julho de 2013

*♥* 25 *♥*


Tenho um dragão que vive comigo.

Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitário quanto eu, quando ele se vai.

Aprendi que um dragão sente certa dificuldade de se relacionar com outros seres. Seja uma pessoa igual a mim, seja unicórnio, salamandra, harpia, elfo, hamadríade, sereia ou ogro. Duvido que um dragão conviva melhor com esses seres mitológicos, mais semelhantes à natureza dele, do que com um ser humano. Não que sejam insociáveis. Pelo contrário, às vezes um dragão sabe ser gentil e submisso como uma gueixa, eles apenas não dividem seus hábitos.
Poucas pessoas são capazes de compreender um dragão. Eles quase nunca revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três ou às onze da noite, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se estivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Acho que ele faz isso pra que no fim só restasse eu, ele e as cinzas. Cinzas são como sedas para um dragão, nunca para um humano, porque a nós lembra destruição e morte, não prazer. Eles trafegam impunes, deliciados, no limiar entre essa zona oculta e a mais mundana.
Percebo ás vezes que os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas, inventamos. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.
Um dragão nunca acha que está errado. Tudo que faz, e que pode parecer perigoso, excêntrico ou no mínimo mal-educado para um humano igual a mim, é apenas parte dessa estranha natureza dos dragões.
Eles são seres invisíveis às vezes, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento, tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Quando ele não está presente eu posso senti-lo, mesmo a quilômetros de distância, mesmo sem poder vê-lo. E se você disser que isso é impossível, ele rirá. Você o achará talvez até irônico. Ele olhará pra você e perguntará: “Então você só acredita naquilo que vê?” Se você disser que sim ele falará em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros, fadas, átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E dirá, com aquele ar levemente pedante: "Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível".
Eu aprendi um jeito de perceber quando o dragão está ao meu lado, mesmo em épocas distantes. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar ao meu lado fica leve, de uma coloração vagamente negra, sinal que ele esta feliz. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde de junho - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões sabem transmitir.
Ele cheira a hortelã e alecrim, cheiro de manha no campo. Quando chega, o apartamento inteiro fica impregnado desse perfume.
Nos dias que antecedem a sua chegada, eu acordo no meio da noite, o coração disparado e sem saber por que, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começo a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado para encher o apartamento de rosas e chocolates (os dragões adoram comer chocolate, mesmo passando mal depois).  Tudo fica mais feliz, e meu coração dispara quando aquele cheiro de alecrim e hortelã começa a ficar mais forte, escorregando que nem brisa por baixo da porta e se instalando devagarzinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama.
Por situações como essa eu o amo, muito, e sempre me sinto um pouco incompleta quando ele vai embora e é sempre um alivio quando ele retorna pra perto.
Quando ele vai, dormindo ou acordada, eu recebo sua partida como um súbito soco no peito, olho para cima, para os lados, à procura de Deus ou qualquer coisa assim - hamadríades, arcanjos, nuvens radioativas, demônios, nunca os achei nada, nunca vi nada além das paredes de repente tão vazias sem ele.
Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes, sem mais reflexos negros pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, a vontade de ser feliz dentro da gente fica apertadinha misturada com sintoma de saudades.
Quando volto a pensar nele, nestas noites em que dei para me debruçar à janela procurando luzes móveis pelo céu, gosto de imaginá-lo voando com suas grandes asas negras, solto no espaço, em direção a todos os lugares que é lugar nenhum.
E então quando a saudade aperta mais saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos negros de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, torno-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo.

E hoje, vinte e cinco meses depois que esse dragão apareceu na minha vida, eu ainda sinto a falta dele, ainda sinto a distância que nos separa fisicamente, mas também sinto a sintonia que sempre nos aproxima, meu coração ainda acelera quando o cheiro de alecrim e hortelã se mistura com o meu perfume de jasmim, e eu sinto dentro do meu coração, como é incrível viver com um dragão. Mesmo com todos os problemas que ele causa e seu gênio difícil, ainda é infinito o prazer que sinto ao ser aconchegada dentro dos seus braços.

Feliz 25 meses Bo

Te amo muito muito muito ♥

Serendipity 


* Texto baseado na obra de Caio Fernando de Abreu: Os dragões não conhecem o paraíso.


Um comentário:

  1. *______________________________*

    E eu tenho uma borboleta que mora comigo >< Ela tem um temperamento meio difícil tb, e cheira jasmin *_*

    Acho que as borboletaws são os únicos seres capazes de se socializar bem com os dragões. Na verdade isso não é uma regra, mas visto que isso é um fato no meu mundo então tomo como verdade ><

    A seda das cinzas se contrasta com a seda das asas rosadas e brilhantes dessa bela borboleta que espero encontrar em meio às minhas cinzas e asas por muito e muito tempo ><

    Sodades tantas T.T

    Bigado por esses 25 meses *_* Bigado por ser, desde sempre, a minha borboletinha *_* Bigado por não se importar mais com a destruição do que com a proteção do dragão ><
    TE amo >< >< >< MTO MTO MTO MTO MTO *_*

    Raaaaaawwwrrrr!!!! <3 <3 <3

    ResponderExcluir