Eles se afastaram e desviaram o olhar instantâneamente. A princesa estava corada, sem reação. Os dois se mantiveram em silêncio por um tempo, não sabiam o que estava acontecendo. Como era possível? O que é que tinha acontecido ali? Abigor se levantou num impulso e deixou o quarto calado, quando a princesa se virou para a porta e gritou por seu nome ele já tinha alcançado as escadas. Ela então saiu em busca do demônio, não podia deixá-lo andando sozinho pelo reino da Luz. Abigor desceu o mais rápido que pode aquela escadaria, ainda se sentia fraco e o fato de estar num ambiente tão claro e sem maldade o deixava um pouco atordoado. Ao chegar no jardim se deparou com cavaleiros tentando domar seu dragão e soltou um grito que fez todos pararem, inclusive seu dragão que lutava bravamente para que não fosse tocado.
-O QUE VOCÊS ESTÃO FAZENDO??
Nesse instante a princesa o alcançou e se deparou com aquela cena.
-Vocês estão loucos? Eu disse apenas para cuidarem do dragão e não para ferí-lo! _disse ela.
Luna, a fada de companhia da princesa se aproximou e disse:
-Perdoe-me majestade, mas quando aqui cheguei o dragão já estava rodeado pelos cavaleiros que
tentavam dominá-lo.
Enquanto isso Abigor se enfiava em meio aos cavaleiros empurrando o que tinha pela frente até conseguir alcançar seu dragão. Deu um salto, se agarrou nas costas dele e gritou:
-Eu vou embora!
-Não! Foi tudo um mal entendido! _gritou a princesa desesperada
-Aqui não é lugar pra um ser das trevas como eu. Vou-me embora antes que saibam de minha verdadeira identidade e acabem comigo aqui mesmo.
-Por favor, não vá. Ninguém aqui irá lhe fazer mal, você tem a minha palavra.
-Sim, ninguém me fará mal, assim como não fariam ao meu dragão.
-Por favor, me ouça! Você me salvou, devo minha vida a você. Já se esqueceu que sou um ser de luz? Que nunca minto, sou justa, honesta e depois do que você fez por mim serei eternamente grata. É o mínimo que posso fazer.
O demônio parou por um instante, desceu do dragão e fitou novamente os olhos da princesa, que a essa altura já estava ao lado do dragão. Todos olharam assustados, aquela figura enorme e imponente parada de pé olhando fixamente para a princesinha, tão pequena e indefesa. Os cavaleiro se colocaram em posição de ataque e quase que instantâneamente os braços da princesa se levantaram fazendo sinal para que não se preocupassem.
Novamente aquela sensação, dessa vez foi tão forte que a vontade de deixar o reino da luz quase que sumiu da cabeça de Abigor, ele só queria poder ficar mais e mais perto da princesa, mas como? Na primeira tentativa de tocá-la seria atacado por seres da luz, quanto mais se de alguma forma quisesse algo mais próximo como um abraço. Ele não sabia o que fazer, não queria deixar o lado dela, mas também não queria causar problemas pra ele e muito menos para aquela que tinha despertado algo tão embaraçoso e gostoso em seu interior.
-Não se preocupe. _disse a princesa ao segurar a mão de Abigor_ Confie em mim assim como eu confiei em você. Todas essas dúvidas e confusões na sua cabeça também estão na minha, mas algo me diz que só conseguiremos achar a resposta pra todas essas perguntas juntos, de certa forma estamos ligados um ao outro, agora mais ainda, eu carrego um pouco de você dentro de mim, não vê minhas asas? e você também carrega um pouco de mim. _disse acariciando a rosa cravada no braço do demônio.
Ele olhou ao redor, viu os olhares assustados de todos ali presentes, mas voltou sua atenção para a princesa e disse:
-Eu fico, mas não por muito tempo, preciso voltar ao Reino das Trevas em breve, caso contrário quando perceberem que sumi no Reino da Luz não pensarão duas vezes antes invadir e começar uma guerra, é o que eles mais querem a muitos séculos, um pequeno motivo pra começar uma destruição sem fim, o que acarretaria no fim de tudo que conhecemos.
Ela acenou afirmativamente com a cabeça. Segurou firme nas mãos de Abigor e o puxou para dentro do castelo novamente. Dessa vez deu ordens bem claras para todos para que deixassem o dragão em paz e que cuidassem dele o tempo que fosse preciso.
Novamente a caminho dos aposentos ela percebeu a preocupação dele com o dragão e disse para que se acalmasse, pois agora todos sabiam das ordens e ninguém ousaria desacatá-la. Chegando ao quarto ela o colocou na cama e sentou-se ao seu lado.
-Você precisa de repouso, ainda está fraco. Assim que estiver melhor fico mais tranquila em deixar você partir. _disse ela com um aperto no coração, ela não queria aceitar o fato de que ele teria que deixá-la.
-Sim... _disse ele_ bem, sobre o ocorrido mais cedo _ele parou por um instante_ estou ficando louco! Nada mais faz sentido na minha cabeça, sensações estranhas, mas muito aconchegantes tomam conta de mim quando estou perto de você, perco o controle sobre mim mesmo, sobre minhas vontades, é como se tudo fosse pra você agora, nada mais diz respeito a mim, mas a você, não me importo com o que irá acontecer comigo, mas com você! O que é que está acontecendo??? A tempos atrás eu simplesmente teria espantado aqueles demônios que a perseguiam para que EU pudesse matá-la, mas com você foi diferente, eu só estava lá por que algo muito forte dentro de mim me levou àquele lugar naquele instante. E... e esse seu cheiro, essa luz que você emana, tudo isso toma conta de meus sonhos a meses. E o mais estranho, eu não consigo odiar, não consigo não gostar, é tudo tão... juro que não acredito que estou dizendo isso mas, é tudo tão bom!
Lentamente a cara de espanto devido ao desabafo que acabara de ouvir foi sumindo e deu lugar a um doce sorriso.
-Acho que essa eu posso responder. Você está passando por algo que nunca passou, nunca sentiu e que até então eu acreditava nenhum ser das trevas ser capaz de sentir, isso ai dentro de você, esse sentimento bom e que te confunde tanto se chama AMOR, é nosso sentimento mais valioso, mais gostoso, mais poderoso. No começo também estranhei, mas não o fato de me apaixonar, mas pelo fato de o objeto desse meu amor ser um demônio, e pior, não é apenas um demônio qualquer, é você, Abigor. De certa forma estamos interligados, não digo por isso _disse olhando para suas asas_ e nem isso _apontando o braço dele. Digo pois já faz alguns meses que sonho com um jovem encantador montado em um dragão me envolvendo em seus braços, e sempre que tentava olhar em seus olhos eu acordava, depois de te conhecer soube o porque, seu olhar é tão único que é impossível imaginá-lo sem tê-lo visto ao menos uma vez. Algo maior nos une e isso eu não sei o que é. Abigor era um demônio muito antigo e sábio, ao ouvir as palavras da princesa se lembrou da profecia que dizia respeito a ele, a que que falava sobre ela e de imediato ligou todos os fatos. Pensava ele: mas como? Como isso tudo acontecerá? Será mesmo necessária tanta destruição? O que posso fazer pra evitar? Decidiu não contar nada para a princesa até que conseguisse achar uma solução, uma guerra agora seria por em risco tudo isso que ele estava sentindo e pior, por em risco a vida daquele frágil ser que se encontrava ao seu lado.
-Precisamos de descanso, muita coisa aconteceu em pouco tempo, ainda não estou totalmente recuperada e muito menos você que deu boa parte e seu sangue para me salvar. Se aproximou do demônio e num impulso deu um beijo em seu rosto gelado. Levantou-se com um suspiro e deixou o quarto.
Dia após dia a princesa e o demônio passeavam pelo Reino da Luz, ela mostrava tudo a ele e contava as histórias que conhecia. Mesmo que já soubesse boa parte daquelas lendas ele ouvia atentamente, era encantador ouvir o som da voz daquele ser, era magnífico! Seres da luz começavam a desconfiar da princesa, muitos já murmuravam por ai que ela não era a princesa, que aquilo era uma armadilha pra que os seres de trevas pudessem conhecer bem a Luz para uma batalha e a verdadeira princesa estava aprisionada no Reino das Trevas.
Toda essa situação começou a gerar algo nunca presenciado antes no Reino da Luz: Discórdia. Muitos confiavam na princesa, mas diversos seres eram contra as atitudes dela e principalmente contra aquele demônio vagando livremente pelo reino, e o pior, protegido diretamente pela princesa.
Alguns dias depois durante um passeio pelos jardins do castelo Abigor disse à princesa que precisava retornar antes que acontecesse uma tragédia. O sorriso no rosto dela sumiu, ela não queria que ele fosse, mas era preciso e ela sabia disso. E agora, como ela faria sem ele ali pra ampará-la, para conversar, passear, caminhar? Como seria a vida dela naquele mundo de paz sem ele? Mesmo que ele fosse um ser das trevas, ela se sentia muito bem e segura ao lado dele.
Voltando ao castelo ele se despediu de todos aqueles que ali estavam presentes, e rumou para seu dragão, a princesa o acompanhou e ao chegarem ao lado do dragão, para a surpresa de todos ela o segurou bem forte nos braços e o beijou. Os seres que presenciaram a cena ficaram chocados, ninguém sabia o que estava acontecendo, aquilo era o maior absurdo de todos os tempos.
Depois do beijo inesperado Abigor segurou-a num abraço bem apertado, ele não queria partir, mas era preciso. Montou no dragão, olhou mais uma vez para a princesa e disse:
-Eu ficarei bem, tudo ficará bem e quando a hora chegar você saberá onde me encontrar.
Cravou os pés nas costas do dragão que saiu dali tão rápido que foi quase impossível acompanhá-los se afastando. Ao se aproximar da fronteira pensou no que o aguardaria do outro lado, possivelmente seria levado a julgamento e certamente seria culpado por traição, mas algo dentro dele dizia para não desistir, pois no final tudo se resolveria.
Ao atravessar a fronteira foi atacado por inúmeros demônios, travou uma longa batalha, mas foi capturado e aprisionado junto com seu dragão. Ele estava certo, algo muito ruim estava por vir.
Jogado em uma sela escura e fria, mal podia enxergar um palmo a frente do nariz, estava fraco de mais para se levantar, ouviu inúmeros passos, barulho de chaves e repentinamente a porta a sua frente se abriu, ogros adentraram a sela o acorrentaram e levaram-no arrastado por corredores escuros, ouvia-se murmúrios, gritos, tristeza... muito sangue estava sendo derramado, provavelmente de criaturas um dia da luz, e que nunca mais voltariam para ela.
Adentraram uma sala imensa, retangular, com estátuas grotescas em cada canto, pareciam ter vida. Abigor foi jogado ali, no final daquela sala, próximo a 5 grandes cadeiras feitas em couro de elfos e fadas, e ossos de anjos. Eram belas, mas tenebrosas, brilhavam quando a pouca luz emanada pelas tochas do teto as atingia, parecia sangue aquele líquido viscoso que envolvia os ossos em cada cadeira.
Pouco tempo depois seres imensos, irregulares e encapuzados foram surgindo, um a um, num total de cinco. Posicionaram-se de pé em frente a suas respectivas cadeiras e um a um foram tirando seus mantos e capuzes.
O primeiro tinha três cabeças, uma de gato, uma de homem e outra de sapo, seu corpo se assimilava a uma aranha grotesca, Baal, grão-duque das trevas, chefe dos exércitos e comandante direto de legiões de demônios. O segundo se assimilava a um abutre, Ayperos, príncipe infernal, comandante de 356 legiões e assim como Abigor, também tinha a capacidade de prever o futuro. O do meio e maior deles era uma figura aterrorizante, enorme, preto, chifrudo, inchado, cercado por fogo e com enormes asas de morcego, Baalzebu, príncipe dos diabos. À esquerda de Baalzebu um ser com cabeça de pantera e dois enormes chifres, pés de urso e boca de leão, Belial, chefe das forças do mal. E por último uma figura que se assemelhava a um anjo nu, coroado e com uma serpente em sua mão esquerda, era Astaroth, grão-duque importante e poderoso.
Ao ver demônios tão poderosos a sua frente Abigor suspirou, seria seu fim. Uma voz ecoou pela sala, parecia um dragão.
-Levante-se em nossa presença, imundo!
Abigor levantou a cabeça, era Belial ordenando que ficasse de pé. Com muito esforço se colocou de pé, então quase que imediatamente Astaroth laçou suas duas pernas com a serpente e puxou para baixo. Os joelhos de Abigor acertaram o chão com tamanha força que se fosse um ser comum teria ficado com as pernas em pedaços.
-DE JOELHOS! _Ordenou.
Não havia nada a se fazer, a não ser obedecer. Ayperos então tomou a palavra:
-Ora, ora. O que temos aqui? Um “demônio” que AMA???? Um “demônio” que sente compaixão?? Um “demônio” que salva seres da luz?? Eres um demônio um um serviçal?? Um demônio que carrega o legado que você carrega se prestando a isso? INÚTIL!! Olhem, meus irmãos, um traidor que esteve com a princesa em suas mãos e não a matou!! A princesa que esperamos a 2 milênios para eliminá-la e assim poder destruir o Reino da Luz! MATEM-NO!!
-Não tão de pressa. _Disse Baalzebu. Temos um caso bem interessantes aqui. Esse lixo nos será muito útil para acabar com a Luz.
-Podem me torturar, mas nunca terão minha ajuda. _Disse Abigor.
-Cale-se! _Disse Baal_ Você não é tolo, não adianta se fazer de ignorante, pois todos sabemos que não é, sabes que devido ao que aconteceu temos a desculpa que esperamos a milênios para começar uma guerra, por sua culpa tudo aquilo que a sua princesinha ama vai ser destruído! _Disse gargalhando_ Ajudando ou não, sua princesinha vai morrer, com a diferença que ela pode morrer lentamente, sob uma tortura ETERNA ou em poucos segundos, depende de sua cooperação.
-Ninguém fará nada a ela! _Gritou Abigor tentando se levantar, mas logo foi posto abaixo novamente por Astaroth que começou:
-Você sabe que não pode fazer nada, olhe só pra você, não passa de um verme caído de joelhos aos nossos pés! Vais ajudar, pois se não existe outra saída se não a morte, que ela seja menos dolorosa, não é assim que os serem de compaixão, ASSIM COMO VOCÊ, pensam?
-Ele irá nos trair. _Disse Ayperos.
-Quem se importa? _Retrucou Baalzebu_ Já temos o que queríamos.
-Não se faça de idiota! Todos sabemos que o “demônio justiceiro” vai estragar todos os nossos planos!
-Calado Ayperos, aqui quem dita as regras sou eu! _Vociferou Baalzebu_ Abigor, vais voltar ao Reino da Luz. É só disso que precisamos... de um dos nossos para “resgatar”. Preparem os exércitos e legiões! Em breve não mais haverá luz! Finalmente as trevas reinarão supremas!!
"Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal"
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