quinta-feira, 17 de junho de 2010

Marília de Dirceu - A musa e a Poesia



Foi um mês frio, naquele ano em Vila Rica.
As manhas começavam com neblina. Agulha de prata e dedal de ouro nos dedos do poeta pareciam mais adequados que a rústica pena de escrever improvisada dos seus últimos versos, escritos na masmorra. Naquele mês de maio ainda não se sabia o destino desse amante. A vida segue curso brando para quem ama. E ele amava. Tomás Antonio Gonzaga amava muitíssimo.



* ♥ *



Marília debatia-se em pesadelos. Sonhava com caminhos incessantes na escuridão em busca do amado. Imaginava ouvir os murmúrios do poeta. Mas ao prestar atenção eram somente as vozes dos oráculos que chegava até ela pedindo para que desistisse do que procura, pois já tinha sido esquecida pelo amante, que desaparecera. Acordava em prantos, e as vozes agora reais e piedosas davam-lhe o mesmo conselho. Desobedecendo, Marília chorava. Não era possível que a tivesse esquecido. Não depois de todo dulçor dos versos, depois de tantas juras. Desaparecera era certo, perto da data do casamento, e não houve mais noticias dele. Marília no entanto não desistia. Esperava e seguia chorando, inspirando-se nos versos de Dirceu, o amado poeta:

Minha Marília
Se tens beleza
Da natureza
É um favor;
Mas se aos vindouros
Teu nome passa
É só por graça
Do deus de amor
Que terno inflama
A mente e o peito
Do teu pastor


Não era possível que a tinha esquecido. Não era possível que tinha se casado. E Marília chorava, Marília sofria.



* ♥ *


Em 1782. Gonzaga foi nomeado ouvidor em Vila Rica. Voltou para o Brasil. O lugar era sossegado, bucólico e lhe permitia exercitar além da magistratura, a poesia, oficio ao qual se afeiçoara. E ao mesmo tempo, a vila, capital do ouro e do comércio dava ocasião a periódicos encontros intelectuais que divulgavam os ideais do iluminismo. Para eles, a metrópole portuguesa era tirânica, usurpando as riquezas das colônias. O vigoroso grupo se destacou na arte literária e na prática política, tomando parte ativa da conspiração chamada pelos portugueses de Inconfidência Mineira. Grupo desfeito violentamente com a prisão de uns, o desterro de outros e a morte de alguns.
Tomas Antonio Gonzaga, porém se encantou pela sobrinha de um conhecido seu, moçoila de seus 17 anos, Maria Dorotéia. Cortejou-a longamente contra a vontade da família que não via com bons olhos aquele amor tão desproporcional de idade (Gonzaga tinha mais de 40 anos). Porém, a família acabou autorizando a oficialização do noivado. Bela , inteligente e talentosa nos poemas se tornou Marília que a si mesmo chamava de Dirceu.
Tomas dedicou a Marília dezenas de poemas, versos simples mas tendo como motivo sempre ela: Marília, do Dirceu.
A casa de Tomas havia sido cercada por soldados logo depois de ser ele apontado pelo denunciante da Inconfidência Mineira, Joaquim Silvério dos Reis. Ele foi levado de Vila Rica na calada da noite para a escuridão permanente da masmorra onde descrevia seus suplícios com uma caneta de graveto de laranjeira.
Dirceu foi preso e levado a Ilha das Cobras, no RJ, seus bens foram tomados, sua casa devassada. Marília não conheceu o destino do amado imediatamente, soube através da poesia do amado. Durante o tempo que esteve preso Gonzaga escrevia todos os dias versos a amada e a cada noite um portador amigo fazia com que eles chegassem a Marília.

Marília morreu sem nunca tornar a vê-lo cruzar com passos largos e sossegados os calçamentos de Vila Rica.

A historia de Marília de Dirceu não termina em eterna fidelidade. Da prisão na Ilha de Cobras ele segue para Moçambique e graças a sua cultura constrói prestigio no exílio. Acaba se casando com uma mulher muito rica com quem passa o resto de sua vida.
Tomaz Antonio Gonzaga foi um magistrado medíocre, e um revolucionário pífio. Não foi herói, não foi ousado, acovardou-se no julgamento dos inconfidentes, jurou submissão a uma rainha louca. Trocou a morte pelo exílio no continente negro, barganhou a vida pelo perpetuo afastamento das montanhas calmas de Vila Rica, onde ficou sua jovem amada.

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