“O Universo (disse ele) é o Grande Todo e oferece um
paradoxo grande demais para ser apreendido pela mente finita. Assim como o
cérebro vivo não pode conceber um cérebro não vivo _ embora possa achar que
pode_ a mente finita não pode apreender o infinito.
O fato prosaico da existência do universo já desacredita,
por si mesmo, o pragmático e romântico. Houve uma época, cem gerações antes de
o mundo seguir adiante, em que a humanidade atingira pericia cientifica e técnica
suficiente para tirar algumas lascas do grande pilar de pedra da realidade. Mesmo
assim, a falsa luz da ciência (o conhecimento, se você preferir) só brilhou em
alguns países desenvolvidos. Contudo, apesar de um tremendo incremento de novos
conhecimentos, as novas percepções foram notavelmente reduzidas. Nossos muitas
vezes tetravós venceram a doença que destrói, que chamavam de câncer, quase
venceram o envelhecimento, andavam na Lua e foram feitos ou descobertos dezenas
de engenhos incríveis. Mas a riqueza de informação produzia pouco ou nenhum
discernimento. Não se escreveram grandes odes sobre as maravilhas da
inseminação artificial, ou sobre os carros que andavam graças à força que
tiravam do sol. Pouca gente, se é que alguém o fez, parece ter compreendido o
mais autentico principio da realidade: novo conhecimento conduz sempre a
mistérios ainda mais espantosos. Maior o conhecimento fisiológico do cérebro torna
a existência da alma menos possível, ainda que mais provável pela própria
natureza da pesquisa.
O maior mistério que o universo propõe não é a vida,
mas o tamanho. O tamanho contém a vida e a Torre contém o tamanho. A criança,
que em geral está familiarizada com o espanto, diz: papai, o que existe em cima
do céu? O pai diz: a escuridão do espaço. A criança: o que existe depois do
espaço? O pai: a galáxia. A criança: depois da galáxia? O pai: outra galáxia. A
criança: depois das outras galáxias? O pai: ninguém sabe.
O Tamanho nos derrota. Para o peixe, o lago onde ele
vive é o universo. O que pensa o peixe quando é puxado pela boca por um gancho
prateado, nos limites da existência e penetra num novo universo onde o ar afoga
e a luminosidade é uma loucura azulada? Onde enormes bípedes sem guelras o
amontoam para morrer numa caixa sufocante, forrada de vegetação úmida?
Ou se pode pegar a ponta de um lápis e ampliá-la. Vamos
chegar a um ponto onde uma atordoante compreensão cai sobre nós: a ponta do
lápis não é sólida; é composta de átomos que giram e rodopiam como um milhão de
diabólicos planetas. O que nos parece sólido é apenas uma rede de coisas
soltas, mantidas juntas pela gravidade. Vistas na sua real dimensão, as
distâncias entre esses átomos podem se tornar quilômetros, abismos,
eternidades. Os próprios átomos são compostos de núcleos com prótons e elétrons
girando em torno deles. Podemos descer ainda mais até as partículas
subatômicas. E depois para o que? Para os táquions? Para nada? Claro que não. Tudo
no universo rejeita o nada; sugerir um término é o único absurdo que existe.
Se você recuasse para o limite do universo, será que
encontraria uma cerca de madeira e tabuletas dizendo SEM SAÍDA? Não. Talvez você
encontrasse algo duro e arredondado, como o pintinho deve ver o ovo do seu
interior. E se você atravessasse a casca beliscando (ou encontrasse uma porta),
não poderia jorrar, nesses confins do espaço, uma incrível luz torrencial
através da abertura? Você não poderia olhar por ali e descobrir que todo o nosso
universo é apenas parte de um átomo numa camada de relva? Não poderia ser
lavado a pensar que, ao queimar um graveto, você esta incinerando uma
eternidade de eternidades? Que a existência não avança para um infinito, mas
para uma infinidade deles?
Talvez você tenha visto o lugar que nosso universo
ocupa no esquema das coisas _ não mais que um átomo numa camada de relva. Será possível
que tudo que percebemos, do vírus microscópico à distante nebulosa Cabeça de
Cavalo, esteja contido numa camada de relva que pode ter existido por uma única
estação num outro fluxo de tempo? E se a
camada fosse cortada por uma foice? Quando ela começasse a morrer, a podridão
não escorreria para nosso próprio universo e nossas próprias vidas, deixando
tudo amarelado, escuro e ressecado? Talvez isso já tenha começado a acontecer. Dizemos
que o mundo seguiu adiante; talvez estejamos realmente querendo dizer que ele
começou a secar.
Pense em como essa ideia das coisas nos torna pequenos,
pistoleiro! Se um Deus vela sobre tudo, acha realmente que Ele vai se preocupar
em distribuir justiça a uma raça de mosquitos entre uma infinidade de raças de
mosquitos? Será que Seu olho vê o pardal cair quando o pardal é menos que um
pontinho de hidrogênio flutuando solto nas profundezas do espaço? E se Ele
realmente vê...qual deve ser a natureza de um tal Deus? Onde Ele vive? Como é
possível viver além do infinito?
Imagine a areia do deserto de Mahaine que você cruzou
para me encontrar, e imagine um trilhão de universos _ não mundos, mas
universos_ encerrados em cada grão daquele deserto, e dentro de cada universo
uma infinidade de outros. Nós nos elevamos sobre esses universos de uma suposta
posição privilegiada na relva; com um movimento de sua boa, você pode chutar um
bilhão de mundos, fazê-los voar para a escuridão, numa reação em cadeia que
jamais terá fim.
Suponha que todos os mundos, todos os universos se
reúnam num único nexo, um mesmo portal, uma Torre. E que dentro dela haja uma
escada, levando, talvez à própria Divindade. Você teria coragem de subir até
lá, pistoleiro?
O
Pistoleiro – A Torre Negra Vol I
Stephen
King