O Destino

        _ Ah, droga...Estou atrasada de novo _ saio correndo pela praça central da cidade, pensando sozinha com meus botões._ Como é que pode? Eu acho que em alguma outra encarnação devo ter destruído o relógio mais importante do mundo e como castigo, decidiram que em todas as minhas outras vidas eu seria “a atrasada”.

De repente, sinto aquele cheiro de jasmim.

        _Jasmim?! Aqui na praça??!! Aaahhhh só pode ser...

        _ Boa tarde doce Alice!

        _ Destino..._ falo alto, não sei se o tom da minha voz saiu mais pra surpreso ou pra decepcionado.

        _ Vejo que se lembra bem de como apareço...

Venha cá me dar um abraço menina! Faz mais de um ano que não a vejo.

        Largo a mochila no chão e deixo escapar um sorriso enquanto ele me aperta nos braços.

        _ Olha só você! _ diz ele_ Cresceu, engordou _ faço cara feia, mas ele nem se importa._ os cabelos estão menos loiros e veja só, que linda tatuagem. Me faz lembrar Athena, moça sábia, bondosa, bonita, inclusive vocês tem grande semelhança física. Ah Alice, quanto tempo. Venha, sente aqui comigo enquanto comemos um algodão doce e colocamos o papo em dia. Deve ter muitas novidades pra me contar.

        Disse isso me puxando pela mão enquanto pegava um algodão doce do vendedor e deixava algumas moedas dentro da sua bolsinha. Não sei se lembram, caros leitores, mas quando o Destino aparece todo o tempo congela, o relógio do mundo para de girar. E nessa loucura que eu imaginei jamais passar outra vez, me vejo sentada no banco de uma praça, embaixo de um grande ipê amarelo.

        Ele se senta ao meu lado, com seu terno preto impecável e seu rosto sorridente, segurando um algodão doce pela mão. Seria uma cena engraçada se eu não estivesse tão apreensiva.

        _ Adoro essa época do ano. Você também, pelo que me lembro. Adoro ver os ipês amarelos florirem, o vento do inverno levando embora o mês tenebroso de agosto. Nunca gostei de agosto. E sempre gostei de setembro, mês da primavera...mas veja só, eu tagarelando e você não me diz nada. Como tem passado Alice? _ fala isso pegando um punhado de algodão doce e enfiando na boca.

        Eu o olho desconfiada.

        _ Não sabia que gostava tanto de algodão doce.

        _ Não gosto _ diz ele _ Mas parei de fumar... os cigarros estavam limitando o meu tempo de vida _ riu largo depois dessa frase _ e como preciso de um vicio, resolvi me jogar nos doces.

        “Eu só posso estar sonhando”_ penso.

        _ Tente as massas _ disse eu_ são ótimas pra esse tipo de coisa também.

        _ Mas é claro que sim, porém tive que reduzir minhas viagens a Itália_ e alisando a barriga_ Ando muito acima do peso.

        “Eu estou realmente sonhando.”

        _ Engraçado_ digo_ Pelo que me lembro você nunca foi muito ligado no conceito “Geração Saúde”, o que te fez mudar de ideia assim já em tão tenra idade?

        _ Vocês humanos sempre achando que é tarde demais para mudar alguma coisa. Já dizia o grande Raul Seixas, nunca é tarde demais para começar algo de novo. Quando é que vão aprender que o tempo não é limitado? Vocês são aquilo querem ser, fazem aquilo que querem fazer com o tempo. Ele é escravo de vocês e não vocês dele. E convenhamos menina Alice, nunca é tarde demais para ter hábitos mais saudáveis.

        Eu sorrio.

        _ Mas chega de enrolação. Como vai você?

        _ Eu estou bem.

        _ Já casou?_ riu alto comendo mais um pedaço enorme de algodão doce_ Sempre quis fazer essa pergunta, mesmo sabendo a resposta pois sei quando você se casa...

        _ Ótimo. Assim não preciso responder...

        _ Alguém está de mau humor?

        _ Não, não...só estou achando estranho você aparecer aqui de repente, um ano depois de tudo.

        Ele come o último pedaço do algodão doce, retira um lenço do bolso do paletó, limpas as mãos calmamente e diz.

        _ Vim porque você me chamou ora.

        Agora toda minha surpresa se transforma em inconformismo.

        _ Eu não chamei você!!!!!!

        _ Claro que chamou _ diz ele calmamente _ Não disse com palavras do tipo: Ó destino, venha até mim. Mas me chamou do seu jeitinho.

        Enquanto ele falava, eu tentava me lembrar do que poderia ser considerado um “Chamamento do Destino” até que minha memória nada boa cedeu espaço para a recordação de ontem a noite.

        _ Ahhhhhhhh....

        _ Isso mesmo _ disse ele sorrindo_ Você pensou em mim quando viu aquele ator e como somos parecidos, além de pensar: O que anda fazendo esse destino louco por aí. Bem aqui estou eu para você me perguntar pessoalmente.

        Antes de qualquer coisa, ontem a noite eu estava assistindo Supernatural e me deparei com esse ator:

        Pra quem é fanática como eu já sabe quem é. E pra quem não sabe eu esclareço, é o Crowley, o demônio chefe das encruzilhadas.

        _ Verdade_ começo a rir alto_ Eu pensei em você mesmo...como é que pode ser tão parecido assim!

        Ele me olhou com um sorrisinho meio de lado.

        _ Confesso que no primeiro momento fiquei chateado por ser comparado a um demônio com tendências obscuras, mas depois eu fiquei até lisonjeado, visto que ele é bonitão.

        _ Ele é sim, um dos meus personagens favoritos depois do Castiel. Mas vamos ao que interessa, você está aqui me fazendo essa ilustre visita apenas porque te comparei ao Crowley?

       _ Claro que não. Vim porque estava com saudades e vim pra alerta-la sobre algo.

        “Sabia” _ pensei.
_ Alice, olhe em sua volta, o que você vê?

        Fiquei me perguntando a onde ele queria chegar com isso, mas pelo que conhecia do Destino resolvi entrar na brincadeira de uma vez e terminar logo com aquilo. Então, desviei o olhar dele e comecei a reparar na praça, nas pessoas, nos vendedores, nas crianças brincando e nos cachorros deitados na grama, na mãe amamentando a criança, e no cara tocando violão em troca de moedas.

        _ Agora feche os olhos e respire fundo. O que você sente?

        Fechei os olhos e comecei a sentir o cheiro dos ipês, os perfumes das pessoas misturados ao cheiro de pipoca e algodão doce. A brisa do fim da tarde e o anúncio que o inverno estava quase no fim.

        _ Você viu e sentiu tanta coisa diferente não é? E se por acaso eu deixasse o relógio do tempo descongelar você ouviria milhões de sons diferentes ao mesmo tempo também. Todos os seus sentidos sendo explorados num único minuto. E agora me diga criança, como você ousa dizer que todos os seus dias são iguais e que não a nada de diferente debaixo do sol, sendo que todos os dias essa paisagem muda, o cheiro muda, o som muda? Ando vendo você reclamando demais dos dias iguais, do tédio da vida, coisa que você nunca fez antes querida, a vida e os dias não são entediantes, mas você está os deixando entediantes. Cada amanhecer é único, assim como cada estrela do céu apesar de parecerem iguais são bem diferentes. Quando eu disse que você é uma das minhas mortais favoritas eu não falei da boca pra fora, eu disse do fundo do meu coração, mas você está se deixando contagiar pela poeira acinzentada de uma sociedade já corrompida por pensamentos negativos e falta de esperança e fé, está deixando sua energia rosa _ olho pra ele com cara de riso_ Sim senhorita, rosa, ou você acha que gosta dessa cor a toa? O Rosa converte todos os sentimentos e pensamentos em coisas amáveis, descontraídas, suaves, faz as pessoas sentirem carinho, amor, proteção e as afasta da solidão, e você está perdendo isso, perdendo a peneira, digamos assim, de sentimentos que existe em você e torna toda poeira cinza do mundo energia cor de rosa. E isso, criança, não pode mais acontecer. Você é uma das minhas favoritas por ter a sensibilidade de ver um cristal valioso numa simples pedra da rua, por ser capaz de viver em Wonderland sem perder os pezinhos do chão.

        Enquanto ele falava eu comecei a olhar o ipê florido. Havia muito que eu não tinha tempo para apreciá-lo, havia muito que eu não tinha tempo para nada.

        _ É fácil falar Destino, as pessoas não esperam algo de você, você não tem um objetivo a conquistar, trabalhos a fazer. Eu tenho que manter o foco nessa coisa chata, tenho que trabalhar, estudar, brigar por um lugar ao sol nessa selva de pedras enquanto eu vejo cada dia passando mais depressa e eu vou envelhecendo...e eu estou envelhecendo!

        _ Menina, nada é fácil. Eu sou o Destino, as pessoas esperam algo de mim o tempo todo. Pior aquelas que dizem: Deixei nas mãos do Destino. Como se eu fosse responsável pelas besteiras que elas mesmas fazem, eu sou cobrado o tempo todo, levo sempre a culpa quando as coisas não dão certo, mas eu to aqui, tentando manter a “Geração Saúde” a todo vapor. Sobre manter o foco, você se lembra daquela parábola sobre as gotas de óleo na colher? _ Fiz que sim com a cabeça_ Então, o segredo da felicidade minha querida é manter as duas gotas de óleo na colher ao mesmo tempo em que aprecia a beleza que está ao seu redor. Não se esqueça de que todo dia nasce e morre diferente e cada dia traz em si um momento mágico para ser vivido, seja uma conversa na fila do banco, um recado do amigo distante, seja um agrado do cachorro de rua, não perca isso criança, não perca a visão pelo mundo de outrora, não perca seus sonhos para ter um mundo melhor para os seus filhos. Envelhecer todos nós vamos, mas pense que chato seria ter a mesma cara pela eternidade.

        Eu sorri. Realmente não seria uma coisa muito legal.

        _ É que as vezes me pego pensando se estou no caminho certo. Se é realmente isso que quero pra minha vida, se deveria ter entrado na curva da direita ao invés da esquerda.

        _ Recitarei Fernando Pessoa para você nesse minuto:

´´Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez da direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse dito as frases que só agora, no meio do sono elaboro –
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente outro também.``

        Assim como cada ação corresponde a uma reação, cada decisão tomada carrega em si o peso de um resultado, seja bom ou ruim. Pense em suas decisões sabiamente antes de toma-las, é sempre possível retornar, mas é tão mais bonito conhecer as paisagens novas da estrada do que vê-las novamente não é?

        Eu acenei com a cabeça. Mais uma vez ele tinha razão. Por mais que eu andasse com baixa energia e força, eu sabia que existia no fim do dia um por do sol lindo pra uma lua nascer acompanhada de estrelas, e aquilo me deixava mais feliz e confiante que amanha seria um dia maravilhoso.

        _ Bom é isso criança. Já deixei o meu recado pessoal, comi algodão doce e lhe dei o meu abraço terno. Espero que tenha gostado da minha visita inoportuna e que aceite os conselhos gratuitos desse velho destino. Se bato tanto na mesma tecla com você é porque não quero que se perca nesse mundo. Quero que quando seu fim chegar você esteja preparada pra ele, quero que viva todos os momentos que são oferecidos a você com alegria e coragem. Seja feliz criança, pois como você mesma diz, nunca ninguém se arrependeu por ter sido feliz não é mesmo?

        E levantando-se do banco disse:

        _ Bem querida, eu tenho que ir. E você tem um ônibus pra pegar e encontrar o seu Bo não é? Jovens...

        Ele me envolveu em seus braços e eu senti o cheiro tão conhecido de jasmim, logo depois uma paz invadiu meu coração e eu comecei a ouvir os barulhos da praça em volta de mim. O Destino se fora, mais uma vez. Peguei a mochila do banco, coloquei nas costas e me apressei pra rodoviária, mas não sem antes, respirar fundo mais uma vez o ar da tarde de inverno e olhar pro grande ipê amarelo que agora parecia mais vivo do que nunca.

Serendipity

P.S. Obrigada ao meu querido “Destino” sempre fonte de grandes inspirações.

Texto anterior:

http://alicceinwordeland.blogspot.com.br/2011/08/o-destino.html