quinta-feira, 15 de março de 2012

O inverno chegou mais cedo esse ano. Quase sem eu perceber o vento gelado escancarou a porta de casa e trouxe com ele as folhas mortas das arvores, ele entrou sem pedir licença, jogando as folhas em cima da mesa no chão, molhando a casa com vestígios da neve, jogando velhas recordações para debaixo da cama. Eu fiquei ali parada, enquanto o vento do inverno bagunçava tudo no interior da minha casa. E quando ele se foi deixando a porta aberta eu me sentei no chão molhado sem ânimo para arrumar a confusão. Tudo estava bagunçado!
Levantei, pois precisava fechar a porta antes que o vento retornasse, passei a tranca para evitar que sua força abrisse a porta novamente estragando toda a arrumação que eu começara a fazer. Limpei a agua da neve que escorria por cima dos móveis, acendi a lareira e o calor invadiu o ambiente, comecei a arrumar os papéis na estante. Mas as velhas recordações, essa eu deixei debaixo da cama, não era hora de tirá-las de lá!
Depois de tudo arrumado e o ambiente novamente aquecido pela lareira, peguei um livro e tentei recomeçar a ler, era um livro supostamente infantil, que falava de uma menina que sem querer entrava pelo buraco perseguindo uma lebre e ia parar num mundo bem às avessas. Pensei comigo que esta poderia ser a minha história...
Não consegui me concentrar na leitura, então resolvi vestir o meu casaco pesado e dar uma volta. Abri a porta devagar para espiar o vento, nem sinal dele mais ali. Saí rápido trancando a porta atrás de mim.
O cenário à frente me deu nostalgia, as árvores antes tão floridas e coloridas haviam sumido, um cenário branco e morto aparecera em seu lugar. Não havia mais sinal de vida. Continuei a caminhar e nada se movia. Os animais que antes habitavam aquele pedaço deveriam estar escondidos ou quem sabe migraram para algum lugar bem quente, Havaí, Califórnia, nordeste brasileiro, não sei, quem sabe. As aves migraram, disso tinha certeza, pois se eu também tivesse asas já teria partido dali a muito tempo.
Enquanto caminho pela estrada respirando o ar gelado de inverno, fui repensando nos últimos tempos. Tudo começou com o verão, o calor quente de dois corpos que se conheciam, a ânsia de chegar ao mar pra se refrescar, a cor pulsante da estação da paixão. Depois primavera, as flores coloridas, o jardim secreto de rosas pretas e cor de rosa, beijos demorados, carinhos aconchegantes, um cheiro de amor no ar. Quando menos esperávamos veio o outono, as flores de cores pulsantes de repente começaram a murchar, as folhas das arvores começaram a cair, o tom vivo da primavera foi se transformando no tom amarelado, bonito também, mais saudoso, o outono nos traz saudade, talvez saudades da primavera, saudade das cores vivas, mas ainda existe uma grande beleza escondida nessa época, como diz o poeta, outono não é uma estação do ano, mais uma estação da alma.
Parei de pensar e me concentrei na estrada, o inverno chegara rápido demais ali, achei que estivéssemos no outono, mas não, me enganará, estávamos em pleno inverno. Quem sabe o vento foi um mensageiro da mãe da natureza para mim, abrindo minha porta com violência e sacudindo meu mundo para lembrar que já era inverno. “Acorda menina, o tempo passou. A vida seguiu seu ritmo e as estações mudaram. Só você ainda não percebeu.” Quem sabe.
Meu nariz está congelado, sinto um vazio enorme no meu peito, percebo um grande buraco ali, onde o vento passa e faz aquele assobio de coisas ocas. Me lembro com saudades de quando era uma pessoa completa, mas pedaços de mim foram se espalhando pelos caminhos que percorri, e hoje já me restava pouco daquilo que fui um dia.
As botas de caminhada começaram a ficar pesadas por causa da agua da neve e resolvi voltar pra casa e descansar. Beber uma grande e saborosa xicara de chocolate quente. Quando resolvi retornar pra casa algo me chama a atenção na beira de um lago congelado ali perto, um ponto de cor no meio daquela brancura toda, me aproximo devagar para olhar e com surpresa constato que é um trevo de quatro folhas. Ainda de um verde vivo, um sobrevivente no meio de todos aqueles vestígios mortais e secos. Penso em leva-lo pra casa, mais isso seria de uma crueldade profunda, irei mata-lo se tirá-lo dali. Enquanto observo o trevo se mover pelo vento gelado imagino que ainda resta uma esperança, o inverno chegou, mas não é por isso que todas as coisas precisam estar mortas. Ainda existe vida!
Volto para a estrada e consigo perceber algumas formigas andando no tronco de um pinheiro, chego perto e percebo que somente sua casca mudou, mas a sua raiz ainda continua ali, intacta, pulsando protegida pela terra. Continuo a caminhar, observando cada detalhe ao meu redor, vejo um esquilo saindo da toca limpando o narizinho de neve, ouço um barulho no céu e vejo um falcão abrir suas asas e passar pairando sobre o céu azul. Mas pra frente vejo uma raposa sair da toca, observando o ambiente, penso que talvez assim como eu ela foi pega de surpresa, porém me engano, ela observa o lugar, volta para a toca e saí acompanhada de dois lindos filhotinhos. Sorrio. Quanta vida ainda existe aqui! Perto de casa a última surpresa do dia, uma lebre me espera sentada na entrada. A observo bem e parece que sorri pra mim, alguns minutos depois sai apressada pelo mesmo caminho que fiz. Posso estar engada ou variando, mas jurava ter visto um relógio de cordas em suas patinhas.
Abro a porta com rapidez mas não a tranco, deixo-a aberta, vou para debaixo da cama, pego minhas recordações e volto a olhá-las feliz. Aos poucos a vida que ainda existe no inverno vai entrando em minha casa. Tudo não é tão lindo quanto à primavera, nem tão apaixonante como o verão e muito menos belo como o outono, mas ainda existe vida aqui. E isso é o que realmente importa agora. Ainda restam esperanças...




“...Nada fica sempre igual e nada existe realmente.
Portanto, as aparências e o vazio existem simultaneamente...”

Um comentário:

  1. Olá, lindo blog, emocionante...me emocionei muitooooooooo com essa linda música em piano!!!!
    Sucesso!!!!!Amo músicas clássicas, antigas, e em pianos, acho lindaaas!!!!Parabééns!!!!!
    http://pequenomuffin.blogspot.com.br/

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